Sancionada em 2006, a Lei nº 11.340 – mais conhecida como a Lei Maria da Penha –, transformou-se em um importante marco para a proteção de mulheres vítimas de violência doméstica e familiar no Brasil.
Principalmente com a imposição de medidas protetivas de urgência, a legislação trouxe uma resposta necessária para o enfrentamento contra o ciclo de agressões que, infelizmente, ainda é enfrentado por muitas brasileiras.
Apesar das mudanças sofridas nos últimos anos, será que ainda existem aprimoramentos necessários?
Especialista na defesa na Lei Maria da Penha e com vasta experiência na atuação com relação à legislação, o advogado Dr. Júlio Konkowski apresenta sua visão sobre os pontos de melhoria para aperfeiçoar essa importante legislação. Confira a entrevista!
Para começar, o senhor poderia explicar brevemente o que é a Lei Maria da Penha, sua finalidade e quais são as principais restrições que ela impõe?
Dr. Júlio Konkowski: A Lei Maria da Penha, que nesse ano completou 18 anos de vigência, é uma legislação fundamental que visa proteger mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. Ela surgiu como uma resposta à necessidade urgente de conter o ciclo de agressões que muitas mulheres enfrentavam (e que infelizmente ainda enfrentam), muitas vezes sem qualquer proteção eficaz do Estado.
As principais restrições impostas pela lei incluem medidas protetivas de urgência, como o afastamento do homem do lar, a proibição de contato com a vítima e a suspensão do porte de armas, dentre outras restrições. Essas medidas têm como objetivo imediato a proteção da vida e da integridade da mulher.
Apesar do evidente avanço trazido pela Lei Maria da Penha, existem pontos que precisam ser aprimorados? Quais são os principais aspectos que ainda faltam na legislação?
Dr. Júlio Konkowski: Eu sou absolutamente favorável à Lei Maria da Penha e acredito que ela foi um marco importantíssimo na defesa dos direitos das mulheres no Brasil. No entanto, meu objetivo aqui é contribuir com o aprimoramento da lei e de sua aplicação.
Nos últimos anos, a lei sofreu diversas atualizações, todas focadas na proteção da mulher, o que é extremamente positivo. Porém, é importante destacarmos que a lei, de certa forma, esqueceu completamente a figura do homem, que muitas vezes é tratado automaticamente como agressor, mesmo em casos em que ele não é.
Por exemplo: a Lei Maria da Penha não previu um rito de defesa adequado para o homem intimado de medidas protetivas, nem estabeleceu um prazo específico para essa defesa. O único prazo previsto na lei é de até 48 horas para o juiz apreciar o pedido de medidas protetivas.
Ao ser intimado, o homem já é imediatamente rotulado de agressor, o que cria um estigma antes mesmo de qualquer defesa ser apresentada.
O senhor mencionou que o rótulo de “agressor” é problemático. Poderia explicar melhor por que considera esse termo inadequado?
Dr. Júlio Konkowski: O termo “agressor” é altamente estigmatizante. Quando a lei ou um magistrado utiliza essa expressão para se dirigir ao homem intimado, há uma pré-compreensão de culpa que, na minha avaliação, fere a ideia de imparcialidade que deve ser o pilar de qualquer atividade jurisdicional.
A abordagem sob a perspectiva de gênero, como instituído pelo CNJ, visa impedir a revitimização da vítima e evitar abordagens preconceituosas. Então, se não é permitido utilizar termos que retulem ou efendam a mulher vítima, também não deveria ser aceitável rotular todos os homens intimados de medidas protetivas como “agressores”.
Todos no ambiente legal e judicial merecem tratamento isento de rotulagem. Assim, minha sugestão é a retirada na Lei Maria da Penha da expressão “agressor” para designar o homem intimado.
Outra crítica que o senhor faz é com relação à duração das medidas protetivas. Como o senhor vê essa questão?
Dr. Júlio Konkowski: As medidas protetivas são concedidas por prazo indeterminado. Isso se deve ao fato de que as restrições dependem da situação de risco que a vítima enfrenta. Enquanto o risco estiver presente, as protetivas devem ser mantidas.
Entretanto, o que vemos na prática é uma completa indefinição em relação ao tempo necessário para a manutenção dessas medidas. Cada juiz em todo o Brasil adota seu próprio critério para revogar as protetivas, o que pode resultar em restrições perdurando por mais tempo do que o necessário. Isso, em certos casos, pode configurar constrangimento ilegal.
Acredito que a lei deveria prever orientações mais claras sobre a revogação das medidas protetivas. Sugiro a criação de um protocolo que vincule todos os juízes do Brasil, seja por meio de uma alteração na Lei Maria da Penha ou através de uma resolução do CNJ.
Isso traria maior previsibilidade e, consequentemente, geraria mais segurança jurídica. A vítima e o homem intimado teriam uma ideia mais clara de quando e quais motivos reais poderiam levar à revogação das medidas, evitando assim indefinições e decisões desiguais para casos semelhantes.
Por fim, mas não menos importante, a Lei Maria da Penha não previu sequer um recurso cabível contra decisões que concedem ou prorrogam medidas protetivas. Isso é tecnicamente preocupante. Atualmente cada juiz e os Tribunais adotam a via recursal que melhor lhes convém, quando, na verdade, esse direito deveria ser regulado expressamente pela lei, visando garantir direitos e evitar o inflacionamento de manifestações.
Falando em segurança jurídica, como o senhor avalia a questão da falta de uniformidade nas decisões judiciais em relação aos pedidos de revogação de medidas protetivas?
Dr. Júlio Konkowski: A falta de uniformidade nas decisões judiciais é um problema sério que afeta a integridade do Direito e a previsibilidade das decisões, em linhas gerais, afeta a segurança jurídica.
A ausência de critérios uniformes, claros e objetivos faz com que decisões desiguais sejam tomadas para casos que, em essência, são semelhantes. Isso não é bom para a justiça, nem para as instituições que a aplicam.
O Direito precisa ter integridade e previsibilidade, que são as bases da segurança jurídica. Quando cada juiz decide de forma diferente, cria-se um ambiente de incerteza, onde o jurisdicionado não sabe como será tratado em diferentes unidades jurisdicionais.
É importante que se diga que esse problema não é do Poder Judiciário, mas um problema legislativo, de falta de regulamentação. Um protocolo uniforme ajudaria a mitigar esses problemas e garantiria medidas mais previsíveis.
Em resumo, quais seriam as principais melhorias que o senhor acredita necessárias na Lei Maria da Penha?
Dr. Júlio Konkowski: Em resumo, acredito que a Lei Maria da Penha precisa ser aprimorada em alguns aspectos-chave. Primeiramente, deve-se revisar a nomenclatura utilizada para se referir ao homem intimado de medidas protetivas, evitando termos estigmatizantes como “agressor”.
Em segundo lugar, é crucial estabelecer um rito de defesa adequado, que ofereça ao homem um prazo específico para apresentar sua defesa, garantindo-lhe o direito ao contraditório e à ampla defesa.
Acrescento ainda a necessidade da criação de um protocolo uniforme para a revogação das medidas protetivas, que é essencial para garantir maior previsibilidade e segurança jurídica.
Por fim, ressalto a importância da lei ser atualizada para prever expressamente o recurso cabível contra decisões que concedem ou prorrogam medidas protetivas de urgência.
Esses aprimoramentos, aliados aos que foram implementados nos últimos anos, acredito, fortaleceriam ainda mais a aplicação da lei, garantindo que ela proteja as mulheres sem desconsiderar os direitos dos homens.
Por fim, como o senhor avaliar a importância do debate sobre melhorias na Lei Maria da Penha?
Dr. Júlio Konkowski: Eu realmente acredito que discutir melhorias na Lei Maria da Penha é fundamental para garantir uma justiça mais equilibrada e eficaz para todos.
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